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Esse é Irmão Desse #4: Central do Brasil

"'Minha mãe (...) ela não teve escolha. Acho que deve haver uma razão pela qual ela teve que me abandonar.' 'Você não tem que perdoar sua mãe, sabe?' 'Eu sei.' 'Em vez disso, eu vou te perdoar.'" (Broker)


Se em Central do Brasil acompanhamos, pela sinopse oficial, a odisseia de uma criança em busca do pai, em Broker assistimos à odisseia de um bebê de futuro incerto: são crianças abandonadas pelo sistema e que recebem acolhimento de pessoas inesperadas. Acrescido a isso, vemos a história de duas mulheres-mães (adotiva e biológica, respectivamente), que se sentem culpadas o tempo todo por absolutamente tudo. Mais um ponto em comum, considerando os cenários para além dos protagonistas, é o contexto: tanto Walter Salles quanto Koreeda Hirokazu retratam a realidade, seja brasileira, seja coreana, marcada por questões sociais diversas que inviabilizam pessoas de acessarem seus direitos, de receberem a tal proteção que o Estado, teoricamente, concede. São pessoas simples em situações cotidianas. E filmes sobre pessoas sempre me fazem pensar demais; me fazem chorar.


"Você merece muito mais do que eu tenho para te dar." (Central do Brasil)


No filme brasileiro, Dora (Fernanda Montenegro) e Josué (Vinícius de Oliveira) se conhecem na estação Central do Brasil (RJ) e partem em busca do pai do menino, quem ele nunca conheceu, apenas sabe que reside no interior pernambucano. Dora é uma professora aposentada que escreve cartas para que as pessoas não-alfabetizadas possam ter seus sentimentos eternizados num papel e enviados ao destinatário. Ela é ranzinza e não tem desejo de criar laços com seus clientes, mas acolhe Josué, inicialmente a contragosto, após a criança presenciar a morte da mãe, uma cliente de Dora.


"Está chovendo... a chuva me lavou até ontem. Nada mudou para mim. Mas quando abro os olhos ainda está chovendo como uma chuva torrencial. Eu sonho, às vezes." (Broker)


Tão diferentes. Tão iguais. A caminho de Pernambuco, numa viagem de carro, as duas gerações criam um vínculo afetivo forjado pela solidão; pela solidariedade. Tão diferentes. Tão iguais. Em busca de novas famílias para vender o recém-nascido, a família de Broker nasce dentro de uma kombi; e os laços invisíveis vão ficando mais fortes sem que eles percebam; principalmente porque eles não percebem. Durante duas horas, viajamos a Coréia do Sul acompanhados por Sanghyun (Song Kangho), Dongsoo (Kang Dongwon), Soyoung (IU), Woosung (Park Jiyong, o bebê) e o maravilhoso Haejin (Lim Seungsoo) de 9 anos (esse menino é um refresco para a tela e traz toda a leveza necessária para uma trama tão difícil de digerir) e ainda conseguimos ver para além da superfície: somos convidados a mergulhar.


"Eu digo isso porque tenho medo de que, um dia, você também me esqueça." (Central do Brasil)


Josué é uma criança que não teve tempo de ser criança. Não coube infantilidades a ele porque a vida o fez crescer muito cedo e exigiu que um corpo tão pequeno fosse capaz de ser quem ainda não estava pronto para ser. Isso também é percebido na protagonista de Broker, Soyoung. Vemos uma jovem mãe que entrega o filho para adoção, que é fruto de um lar disfuncional e que vive uma vida que muito cobra e pouco oferece e eu amo o paralelo imagético que temos dela do início à metade, da metade ao final do longa. Assim como ela e Josué, os dois homens envolvidos no tráfico de bebês reconhecem as mesmas dores e dissabores. Além deles, Haejin, o menininho do orfanato que embarca junto com eles, traz em suas ações as necessidades expressas de atenção, de carinho, de convivência; de família. E me dói perceber que é uma dor universalmente reconhecida em crianças que o sistema negligencia diariamente.


"Ver você faz meu coração se sentir um pouco mais à vontade." (Broker)


No caminho percorrido, o longa brasileiro passeia pelo país, demonstra as contradições sociais e comunica com profundidade as emoções imagéticas. No filme coreano, a realidade costurada à ficção também se faz presente ao percorrer diversos pontos do país e, ao longo do caminho, ir colecionando histórias de pessoas tão quebradas quanto aquelas do carro. Entre cartas e quartos que falam: olhares que comunicam. E quanto dos dois filmes é contado pelo silêncio! Quanto das duas obras é contado pelos títulos: Central do Brasil marca o ponto de partida, literalmente, do primeiro encontro e da posterior viagem que mudaria a vida de Dora e Vinícius. Broker, que pode ser traduzido como corretor/alguém que agencia algo, faz a trama girar em torno de todo o esquema de tráfico de bebês e sobre como a vida do Woosung não seria a mesma, literalmente, se aquela família criada pela necessidade não existisse.


"No dia que quiser se lembrar de mim, dá uma olhada no retrato que a gente tirou junto." (Central do Brasil)

Central do Brasil e Broker são filmes que falaram muito comigo desde o dia que os assisti e, principalmente depois dele. São histórias sobre a família que a gente escolhe; que precisa deixar ir. Tramas que denunciam, que doem, mas que curam. Tramas que me ensinaram uma nova forma de dizer "eu te amo", ao fazer uso das palavras da protagonista, numa das cenas mais lindas do filme:

"Obrigada por ter nascido." (Broker)


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