First Love: minha resposta vai chegar numa música
Atualizado: 18 de dez. de 2022
Você sabia que a luz das estrelas leva anos e anos para finalmente chegar à Terra? Poder ver estrelas distantes é como olhar para um passado que não existe mais, infelizmente.
First Love (初恋), drama japonês da Netflix, conta a história de Harumichi Namiki e Yae Noguchi, dois adolescentes que descobrem o primeiro amor no fim dos anos 90, enquanto fazem planos para o futuro e sonham em se tornar piloto de avião e comissária de bordo. Duas décadas se passam, ele trabalha como segurança e está prestes a casar-se, enquanto ela, divorciada e com um filho adolescente, trabalha como taxista; até que o destino os coloca, novamente, um na vida do outro. Costurando cenas entre passado e presente, a história de Yae e Harumichi é contada de forma sensível e bastante bonita, prendendo o telespectador do início ao fim.
Inspirado nas canções de Utada Hikaru, “First Love” (1999), faixa título do álbum com maior número de vendas da história do Japão, e “Hatsukoi” (2018), o drama tem uma trilha sonora impecável e faz, também, diversas referências à história recente do Japão, como a ida de tropas japoneses à Guerra no Iraque, o tsunami de 2011 e todo o desastre de Fukushima, a Sonda Nozomi (também chamada de Planet B, nome de uma das canções da OST) e mais recente, a COVID-19. Há uma fotografia belíssima, personagens diversos, sendo uma delas uma mulher surda (!!!) e arranjos familiares distintos e bem trabalhados, trazendo diversidade para a tela, como também tramas muito bem costuradas com personagens igualmente completos; o que só faz a história crescer.
Se eu pudesse indicar um drama hoje, seria este. Para quem gosta de romance, para quem gosta de boas histórias, para quem procura por poesia. Ontem, eu terminei de assistir a essa obra-prima e os sentimentos foram tantos que precisei pegar papel e caneta para colocar tudo para fora. Assim, o que você vai ler a seguir é um texto escrito depois das 23h, fruto de uma mente cheia de sentimento e sem nenhuma coerência, depois de assistir a 05 episódios seguidos (e chorar muito em alguns deles): uma bagunça, eu sei. Por sua conta e risco. Mas se quiser parar por aqui, veja First Love! A satisfação é garantida.
Eu terminei de assistir a First Love e ainda não parei de chorar. E não é porque é triste, é porque dói. Dói em lugares que eu nem sabia estar machucada, mas também cura feridas que eu nem sabia carregar. Sabe quando o coração da gente parece ter se esvaziado e se enchido novamente ao contemplar algo muito belo? Penso que essa seja a melhor forma de resumir.
Acima de tudo, essa é uma história sobre espera. E eu não gosto de esperar. Mas a cada ano que passa é isso que a vida tem me exigido. E quanto mais eu via o Harumichi, mais me doía porque ele era o guardião de todas as memórias a dois. A ele não cabia esquecimento porque a ele a vida deu a missão da espera. E eu me peguei pensando em quanto tempo a gente ganha esperando pelo que almeja. Você leu certo. Quanto tempo se ganha, não se perde. Porque é da espera que surge a esperança; o esperançar.
Mas que vida triste a da pessoa que se lembra sozinha! Ele contempla um passado que não existe mais porque, para ela, literalmente, nunca existiu. E isso dói tanto! Então quando ele percebe que não vai conseguir ser o único que se lembra, decide retroceder. Porque esquecer dói. Mas lembrar dói. E permanecer, nesse caso, dói mais que se afastar. E a despedida deles, naquele restaurante, me fez sentir a pessoa mais triste do mundo. Porque ele teve de reviver as dores da separação mais de uma vez; mais uma vez. E teve de ouvir sobre os sentimentos inéditos dela quando tudo o que ele almejava era um lampejo de passado no presente; era não ter se perdido totalmente na mente daquele primeiro amor.
E por falar em primeiro amor... quanto encantamento cabe nas cenas do passado! Eu estava apaixonada pelo amor adolescente e o contraste nas personalidades de Harumichi e Yae, mas que tão bem se complementavam, e até cheguei a achar que, como boa história japonesa, o fim deles envolvesse muita tristeza e a cara amassada de tanto chorar pela morte de um deles (graças a Deus, sem mortes!). Até que os anos passaram e eles se reencontraram da maneira mais “vida real” possível; da maneira mais improvável do mundo, e dali veio o primeiro golpe: ela não se lembra dele. Como?! Como é possível um amor tão lindo ser esquecido assim? Como pôde ele reconhecê-la de imediato e ela agir como se estivesse encontrando um estranho? A resposta veio da forma mais dramática e violenta: foi demais para o meu coração. Eu senti tanto que passei mais de uma semana sem continuar a ver os episódios porque eu não queria ver um presente de uma pessoa sem passado. Faz sentido? Possivelmente, não. Mas acho que nada aqui está fazendo sentido mesmo...
Sabe quando o nosso corpo reconhece as memórias involuntárias? Pois bem. Esse foi o motivo do meu colapso. O drama vai empilhando as pecinhas devagar, brincando de juntar passado e presente, de nos perguntar “será que ele não está mesmo lá? Será que...?”. E eu penso que viver é isso. Um eterno “será que...?”, um gradiente de horizonte sem fim que nos pede nada mais que atenção aos detalhes; às conexões diárias e não-percebidas. E eu não paro de pensar na cena da lavanderia ou sobre ela morar perto de um aeroporto e amar o prato preferido dele e estar no caminho dele, de uma forma ou de outra como se todo o universo conspirasse para que eles fossem um. Eu não consigo não pensar em como histórias de amor são tão previsíveis quanto areia no deserto, e mesmo assim (ou porque o são!) são a melhor coisa que existe. E aqui abro parênteses para falar do amor romântico, do amor de amigo, das relações entre irmãos e de pais e filhos... aquela cena do morango entre a Yae e o Tsuzuru me fez chorar de soluçar! Todo o significado do zelo, do carinho, da construção da lembrança (olhe só!) que antecede a despedida... a sementinha da esperança de um “não me esquece, por favor”, tal qual o reflexo involuntário para se lembrar da língua de sinais, até se perceber e se encontrar na melodia de uma canção...
Para a pessoa que eu amo, eu quero dar a parte mais bonita que eu tenho.
Pausa para assoar o nariz. De novo. O fim do episódio 8 entrou para a lista das minhas coisas favoritas do mundo inteiro. Tem uma música da Fresno que diz “minha resposta vai chegar numa música” e foi impossível não cantarolar esse trechinho naquele momento. A plasticidade da cena, a significância de o então homem mais importante da vida da Yae, sentado ao lado dela, sendo a pessoa quem proporciona o momento mais aguardado da história e traz para a mãe as lembranças sobre o outro homem mais importante da vida dela, nos mostrando que, quando é para ser, as rotas que tomamos vão nos levar para o mesmo destino, não importa o caminho ou a distância; a lembrança (sempre ela!) de que o presente traria o passado que traria ao presente tudo aquilo que faltava... foi o experimento de Proust diante dos nossos olhos e isso me faz lembrar de outra das minhas cenas preferidas: Yae e Uta no karaokê conversando sobre a inércia.
“Eu estou feliz com uma vida sem conquistas,” nossa protagonista diz. E eu precisei pausar porque aquilo ressoou forte aqui dentro. Ela é uma mulher na faixa dos 40 e alguns anos, filha de uma mãe solo, taxista, divorciada, com um filho adolescente e que segue a máxima do “todo dia ela faz tudo sempre igual”; mas ela é feliz. Ou parece ser. E ela não finge ser alguém que não é para se encaixar porque não muito tempo atrás ela precisou interpretar esse papel e descobriu que não tem vocação para as aparências: Yae decidiu ser quem era e se para isso ela precisasse levar uma vida de inércia, tudo bem. “Mas o que empurra os objetos em inércia,” disse Uta, “são os sonhos, as esperanças” e eu peço licença para completar: o amor. E o amor deles foi tão bonito! Tão vivo! Me pergunto o que faria se eu fosse aquela que se lembra sozinha, a que se lembra depois. E acho que agiria como eles. Porque eu tenho medo de incomodar e pensar que os outros estão sendo obrigados a abrirem espaço para me fazer caber.
E os paralelos entre o amor dos protagonistas e o amor do jovem músico e da bailarina costuraram as narrativas de uma forma que nos ajuda a, também, esperar. E aqui eu me revolto um pouco (talvez muito) porque a espera foi longa demais e eu não aguentava mais ver mensagens sendo digitadas e salvas no rascunho; nunca enviadas. Eu tinha urgências porque eu tinha medo de não ganhar um final feliz: eu tinha vontade de apagar toda a espera, toda a distância que encurtou o sempre e transformou a relação deles em dias numerados e terreno desconhecido.
E a passagem de tempo fez meu coração apertar, mas para quem terminou um noivado apenas pela possibilidade do encontro com seu grande amor, não haveria possibilidade de caber mais alguém naquele coração, né? E eu volto a me colocar no lugar da Yae e pensar como eu reagiria se as minhas memórias voltassem e me mostrassem que eu fui muito amada, que muito amei, que existe a chance de fazer tudo isso acontecer novo... será que eu iria me jogar de cabeça ou me consumir com pensamentos que repetem que já estou velha demais para tentar? Que tudo o que sinto pode não ser bem assim? Que, para ele, talvez, não seja mais assim? Ainda que eu critique, penso que estaria fazendo igual, infelizmente. E talvez por isso tenha doído tanto.
Quem é a última pessoa que você deseja ver antes de morrer?
E a resposta vem simples. Porque o amor é como os esquilos esquecidos que garantem novos jardins; é como a flor roxa, o 11 de março, as cartas nunca entregues, o beijo com sabor de cigarro e as notas da canção dos dois. Porque o amor sabe esperar por ventos favoráveis, mas também precisa que tenhamos a coragem de enfrentar ventos imprevisíveis. First Love fala sobre o primeiro amor de uma forma muito particular, muito especial. First Love é uma história sobre encontros, chegadas, partidas e reencontros. É um lembrete para os que estão na inércia, para os que estão à espera daquilo ainda sem nome. E eu penso que é para isso que a ficção existe, que é por isso que histórias de amor existem: para nos fazer sonhar, nos fazer acreditar, nos levar a esperançar... nem que seja durante 09 episódios.
Como bem disse o Harumichi, “não dá para recolher uma decolagem.” Nos resta, então, aproveitar a viagem e contemplar a paisagem.
Nossa, cheguei aqui por acaso e achei esse texto lindíssimo! Parabéns pelo trabalho, e mais um drama adicionado na minha lista.
Lindo! obrigada por partilhar emoções.