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Be Melodramatic: emoções, pensamentos e metalinguagens



"Os personagens criados por um autor são versões dele mesmo em outras vidas," afirmou Nelson Rodrigues e, se ele me permite a licença, esta é a melhor forma de resumir Be Melodramatic (O Drama da Minha Vida, Viki). Num jogo de metalinguagens, a protagonista do drama escreve um drama protagonizado pelas versões dos personagens do drama que estamos vendo. E durante 16 episódios, num jogo de espelhos e passeios por labirintos mentais, vamos nos permitindo conhecer (e torcer!) por todas as versões que a história nos apresenta porque, nesse multiverso de versões ficcionais de si mesmas, em todas elas existe o laço afetivo porque a relação desse trio está destinada a ser.


Enquanto assistia ao drama, constantemente me questionava: quantas pessoas podem, realmente, dizer que têm tudo resolvido? E quantas pessoas vivem repensando suas decisões sobre sacrificarem "algo grande" a fim de alcançarem "algo pequeno"? Mas o que é 'pequeno ou grande'? E por que esse apego com os '30 anos', como se houvesse uma grande passagem de ciclo com a chegada dessa idade e portões imaginários se abrissem em nossa frente e apenas os escolhidos conseguissem adentrar num lugar como aquele dos panfletos dos Testemunhas de Jeová? Eu sei, são muitas questões. E todas elas continuam sem respostas, apenas cercadas por suposições mentais. Mas, à medida que os capítulos avançavam, menos respostas eu necessitava porque fui preenchida pela rotina dos cinco moradores do charmosíssimo apartamento de janelas grandes e sala espaçosa, porque fui percebendo os fios de amizade serem tecidos sempre que os adultos se reuniam na sala para assistir a dramas e tomar cerveja; fui percebendo quantas pessoas são necessárias para apoiar uma única pessoa.


E peço licença para dar enfoque às três protagonistas da história, as mulheres na casa dos 30 e que dividem muito mais que o mesmo teto: Jinjoo, Hanjoo e Eunjung nunca negligenciaram a amizade que parecia existir 'desde sempre e para sempre'. E o mais legal era perceber que, assim como o título do drama, elas enlouqueciam ao mesmo tempo! Elas se permitiam e concediam permissão umas às outras para serem melodramáticas! Se mulheres que vivem juntas sincronizam o ciclo menstrual, por que não suas loucuras?


Gosto de pensar que, ao assistir a Be Melo, eu vejo a minha própria história. Não completamente, claro, mas em traços e linhas que mais me aproximam que afastam. Por vezes me pegava pensando "de quem é esta história?", porque apesar de ser tão delas, era também tão minha! Em alguns momentos, me lembrei daquela de Hamilton: quem é que controla "quem vive, quem morre e quem conta a (nossa) história?". E a partir desse drama eu pude experenciar sentimentos tão meus, tão delas, de uma forma "fora do corpo", emprestando meus olhos para verem as vidas delas com a empatia e a gentileza que, por vezes, não dou a mim.


As coisas vão ficar bem quando você fizer 30 anos.


Jinjoo, a escritora do trio, quem tem nas pontas dos dedos a missão de transformar as próprias vivências e lembranças em uma nova história, como uma grande fanfic daquilo que foi, do que poderia ter sido. E o mais incrível nela (além de todas as coisas incríveis, porque ela é adorável!) é que ela vive de uma forma que suas emoções não passam por filtros. E não falamos sobre automatismos, imaturidade ou negligência com o sentir do outro, longe disso. É que, com ela, o sentir é sempre genuíno: consigo mesma, com o outro.


Parece que meus sentimentos estão sem sentimentos.

Eunjung é a documentarista (e a gente se sente assistindo ao documentário sobre a vida dela!) que nos leva a um mergulho no luto. Com ela, é possível vivenciar a dor da ausência de quem se foi, da presença de quem não está, dos truques mentais que, por vezes, fazemos para diminuir o volume do sentir. Com ela, as ondas do luto demonstram que esse sentimento é nada mais que uma expressão de amor verdadeiro. E a cena em que ela percebe que precisa de ajuda só não bate mais forte que todo o caminho percorrido até ali porque os amigos, a família que ela elegeu, aprenderam a dar-lhe espaço para ser quem ela precisava ser naquele momento de perda, ainda que para os de fora o período fosse longo demais. Acaso conseguimos medir o tempo que cada um pode ou deve processar o que vive ou sente?


Ser incompleto significa que ainda há espaço para crescer em um número infinito de coisas! E o começo da cuidar, de dentro para fora, quando ela começa a fazer terapia, é uma das cenas mais emocionantes do drama! É o início de um tempo que não avista um fim, porque o processo de cura é diário, sinuoso, sem métrica definida porque não cabe em caixas pré-definidas; é um começo pautado na escolha diária do recomeço e é bonito demais vê-la melhorando, mas ainda mantendo alguns padrões do passado porque é bonito demais quando um drama escolhe ser o mais verdadeiro possível na forma de contar a história por meio dos processos que não pulam etapas e, por isso mesmo, nos levam a esperançar.


Coisas ruins são mais marcantes, por isso são mais fáceis de perceber.


A Hanjoo, quem trabalha com marketing e inserção de propagandas em meio a roteiros de dramas, falou para seu colega de trabalho, que mais tarde se tornaria um grande amigo e parceiro incrível, que a gente precisar ter "coragem pra não odiar" alguém e isso morou em minha mente desde então. Os processos de reinvenção e recomeço, de percepção de si mesma como mulher e amiga, não apenas como mãe solo, são uma das coisas mais lindas dessa personagem. Ela, apesar de todas as porradas da vida (vindas de todos os lados), não permitiu que o rancor roubasse sua 'aura de inocência', sua gentileza; sua leveza.


Quando se é jovem, se perde por não saber; quando se é mais velho por fingir não saber.

A maneira como Be Melodramatic retrata não apenas as relações românticas, mas também os corações partidos, é diferenciada. Os casais que se formam ao longo da trama são apaixonantes (é impossível ver tomates cereja ou ouvir Your Shampoo Scent in the Flowers sem pensar em Jinjoo e Beomsoo; é impossível não relembrar a construção do relacionamento da Somin com o Minjoon ou a fofura do Hyobong com o Moonsoo), mas acompanhar a trajetória entre Jinjoo e Hwandong, Eunjung e Hongdae, Jaehoon e Hayoon, Hanjoo e o pai do seu filho, principalmente, traz algumas reflexões. Relacionamentos são trabalhosos, mas não devem ser desgastantes. E a forma como a história ilustra esses relacionamentos desgastados, falidos, dolorosos, frustrantes, sempre à luz da realidade, costurando de forma sutil nas vivências das personagens as falhas, carências, dependências e responsabilidades emocionais humanas; me faz perceber como (e quanto!) as pessoas se machucam de maneiras horríveis em nome daquilo que chamam de amor.



Be Melodramatic demonstra que é possível o amor deixar de existir porque sentimento é construção diária, não garantia vitalícia: percebido nas tramas de Jinjoo e Hwandong e de Hanjoon e seu primeiro amor. Eunjung e Hongdae, por sua vez, ilustram o amor em forma de memória, de saudade, de luto: os machucados emocionais e a vida no automático por se precisar viver com o coração partido e encontrar o suporte emocional para recomeçar. Jaehoon e Hayoon, talvez o exemplo de mais reviravoltas, ilustra as agonias e os alto e baixos de um relacionamento que, à primeira vista, demonstra um comportamento bastante abusivo por parte da figura feminina: e a aproximação dele com a Hanjoo, principalmente na cena em que ela fala como se fosse a namorada do Jaehoon, faz com que ele (e os telespectadores!) despertem para os próprios erros; afinal, relacionamento é uma dança a dois.


Hoje, de novo, comemos, fofocamos e vivemos de forma deliciosa.

Antes de encerrar, um dos pontos importantes a serem destacados são todas as referências que o drama traz ao longo dos episódios. Os dramas Goblin, Romance is a Bonus Book, Autumn in my Heart, Secret Garden (juntamente com a OST), Misaeng, Sky Castle, Something in the Rain (também com a OST), Dazzling, Clean With Passion for Now, Fantastic, Moment of Eighteen, My Country e Reply 88 – aquele com o maior número de menções (principalmente por conta do ator, Ahn Jaehong, quem integrou o elenco de Reply 88), garantindo cenas hilárias. Também, há referências ao filme Interstellar; aos atores Gong Yoo, Park Bogum e Nam Joohyuk; e aos programas coreanos I Live Alone, Running Man e Knowing Bros: seja na inserção no texto, seja passando na TV durante algumas cenas.


Be Melodramatic é divertido, sensível, necessário. É um misto de sensações que nos levam a notar o leque de emoções que podem conter dentro de um mesmo sentir. E, por tudo isso, é imperdível!


Eu não posso acreditar! Eu acabei de dizer algo realmente inteligente, não foi?



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